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quinta-feira, 4 de junho de 2009

Cenas de guerra

Guerra é uma coisa muito séria. Não é para brincadeira. Pois eu tenho uma história para lhes contar, que poderia ser folclórica – e até cômica. Aconteceu na chamada Guerra do Golfo. Na verdade, essa não foi bem uma guerra, que exige duas facções combatentes.


Naquela época, o Presidente do Iraque, Sadam Hussein (que depois foi condenado e enforcado por crimes de guerra) resolveu atacar Israel, que, por seu lado, decidiu não reagir e manteve-se totalmente passivo. A ameaça era grande e o susto, maior ainda. É que a população foi advertida que o referido ditador ameaçava disparar foguetes contra Israel dotados de ogivas que poderiam conter produtos químicos venenosos. Daí ter havido uma distribuição de máscara contra gás a todos os habitantes, de todas as idades.


As autoridades publicaram instruções sobre como colocar a máscara e, em caso de necessidade, havia uma injeção especial a ser aplicada. Havia máscaras específicas para gente de barba e crianças. Também foram dadas claríssimas instruções de como proceder em caso de ataque, por exemplo: a partir do momento em que tocava a sirene, havia um prazo de em média 2 minutos (conforme a localidade) para correr até o abrigo anti-aéreo, fechar hermeticamente as portas e colocar a máscara.


Durante mais de um mês todo mundo andava com uma caixinha de papelão pendurada no braço, contendo a tal máscara, e de ouvidos atentos ao que poderia acontecer. E aconteceram coisas dignas de registro. Ficará gravada na memória de todos a inesquecível cena, transmitida pela televisão, em que o público que lotava a sala de concertos para ouvir a Orquestra Sinfônica de Israel, no momento em que tocou a sirene estava todo ele com as máscaras devidamente colocadas. Ninguém fugiu, ninguém correu para um abrigo, e ficaram ali, gostosamente sentados, devidamente mascarados. O solista era Isaac Stern, que desprezou a máscara!


Também durante mais de um mês Israel foi bombardeada por mais de 30 foguetes, que fizeram muito barulho, deixando a população em um alerta permanente, causando danos materiais muito limitados e, felizmente, quase que nenhuma vítima, e não como resultado direto dos foguetes. Quem não tinha abrigo antiaéreo, deveria escolher um lugar o mais protegido de sua residência e vedá-lo com folhas de plástico, que deveriam, além das máscaras, impedir a contaminação pelas ameaçadoras armas químicas que, afinal, nunca chegaram.


Bom cidadão que sou, segui rigorosamente as instruções recebidas. Arrumei o abrigo que tenho em minha residência e lá coloquei um rádio portátil para ouvir os avisos caso um foguete tivesse sido disparado. Lá eu tinha armazenado água, alguns alimentos, material de leitura, medicamentos de emergência e uma garrafa de bom uísque, para o que der e vier. Havia até um colchão para dar uma estirada. Do meu abrigo, cheguei a dar algumas entrevistas por telefone para o Zevi Ghivelder, da saudosa Manchete.


No meu escritório, a coisa era mais complicada. Não tínhamos no edifício abrigo antiaéreo e, após analisar a situação logística do escritório, chegamos à conclusão de que o lugar mais protegido era o toalete. Após ali instalar a devida cortina de plástico na porta, como o lugar era muito exíguo colocamos duas cadeiras dentro da banheira. Estava eu arrumando uns livros numa prateleira de metal, quando tocou a sirene, o que era sempre assustador, e, afobado, bati a cabeça no canto da estante e sofri um ferimento superficial, mas que sangrou bastante. Aí corremos, eu e minha mulher, rápido para o toalete.


Fechamos bem a cortina de plástico pelo lado de dentro com fitas adesivas, colocamos as máscaras, entramos na banheira, onde havíamos colocado previamente as duas cadeiras, e sentamos um frente ao outro. Nos olhamos e ambos caímos numa gargalhada ininterrupta de alguns minutos, porque não poderia haver uma cena mais cômica do que esta: dois advogados adultos sentados numa banheira, mascarados, aguardando a caída de uma bomba.


Alguns minutos depois foi dado o sinal de “tudo bem”. Tiramos as máscaras, tratei meu “ferimento de guerra” e, ato seguinte, voltamos ao nosso trabalho normal no escritório. Nessa normalidade, não fomos exceção. Durante todo o período daquela guerra, a vida em todo o país continuou normal: cinemas e teatros funcionavam, os restaurantes estavam cheios, as pessoas se telefonavam após a caída de cada foguete para saber “…se caiu perto de você e o que você ouviu…”.


Sempre que me recordo do acontecido em meu escritório, e conto a história, ela provoca boas risadas; mas não se iluda o leitor, e pense que aquela guerra foi uma brincadeira. Longe disto! Como todas as guerras, foi uma coisa muito séria.


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Marcos Wasserman é advogado em Israel, Brasil e Portugal, e é presidente do Centro Cultural Israel-Brasil

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