Governo brasileiro e o assassino iraniano
Um belo dia, representantes brasileiros presentes em reunião no maior foro internacional escutam um certo desatino: “Nunca houve escravos no Brasil.” Nossos dignos emissários continuam sentados impávidos escutando, como se avalizando o desvario. Pois é: será que já nos tornamos tão insensíveis? Será que se algum dignitário, representante oficial de um país dissesse que a escravidão não existiu no Brasil, nosso governo teria a fleuma de receber tal político em solo brasileiro?
Manchete de todos os jornais da semana que passou, Mahmoud Ahmadinejad, o presidente do Irã, negou a existência do Holocausto. Este mesmo personagem chega ao Brasil, logo nos primeiros dias deste próximo mês. E não é só. Sabe-se que será recebido pelas altas autoridades deste país como se nada houvesse acontecido. Não obstante um débil protesto do Itamaraty contra as declarações emitidas por Ahmadinejad em Genebra, o governo confirma sua visita ao Brasil, que já não deveria receber um político tão dessintonizado com qualquer noção de justiça social.
Se já não bastasse este senhor, Mahmoud Ahmadinejad ser conivente com incontáveis atos terroristas e defender um programa nuclear altamente belicista com o propósito de exterminar uma nação soberana como Israel, hoje temos que conviver com o embaraço de receber um governante - se é que podemos considerar este déspota merecedor do titulo que nós aqui lutamos para merecer – que nega peremptoriamente o Holocausto. Enquanto presenciamos, na semana passada, os mais nobres representantes europeus retirando-se do recinto da ONU, ao ouvirem declaração insana, nós aprendemos, constrangidos, que os trinta e tantos enviados do Brasil fizeram ouvidos mocos, permanecendo no recinto, como se sandice igual fosse irrelevante, como se negar o Holocausto fosse só um deslize.
Pois não é. Negar o Holocausto é abrir a fresta para a possibilidade de mais épocas de obscurantismo e crueldade. Negar o Holocausto é violar mais uma vez as almas dos inocentes então assassinados. Negar o Holocausto é permitir que a História seja refém de ditadores fundamentalistas, sejam de que credo forem.
Cabe-nos perguntar que motivos levam a nossa diplomacia a esticar seu tapete vermelho para receber este presidente que, em seu território, persegue crianças, mulheres, as mais distintas etnias, que oprime cristãos, evangélicos e, obviamente qualquer judeu.
Quais seriam os nobres interesses humanitários possíveis de um intercâmbio com uma pessoa impregnada de ódio?
Que benefício pode trazer ao nosso país um ser humano que, enquanto representante de um povo, dá-se o direito de negar impavidamente fatos tão comprovados quanto nefastos. Como se o simples cargo de ditador lhe conferisse a liberdade de borrar os livros de História, a liberdade de desprezar a verdade e, mais, a liberdade de desvalidar a vida e morte de milhares, milhões de outros seres humanos? Que tipo de aval pode ter qualquer acordo, contrato, entendimento com Mahmoud Ahmadinejad, o homem que nega hoje o acontecido ontem? Longe de nós imaginarmos motivos obscuros, mesquinhos ou mercantilistas dos representantes maiores de nosso país, mas que nosso semblante franze, ah, não há como negar.
Se nossa esfera federal não se envergonha em dar as boas vindas a este lunático travestido de governante, então que a nossa Casa, com sua importância representativa da 5ª maior Câmara Municipal do mundo, de mais de uma dezena de milhões de brasileiros, seja enfática ao bradar sua repulsa a esta visita. A cidade de São Paulo, seu povo e seus legítimos representantes devem repudiar ostensivamente a presença de Mahmoud Ahmadinejad em território nacional. Que esta Casa seja a voz de todo aquele que vê o desserviço que esta visita presta ao Brasil.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo na sexta-feira passada, dia 24 de abril, o governador José Serra escreve com uma clareza ímpar: “Nenhum genocídio deve ser esquecido, todos devem ser lembrados, seus representantes execrados, suas causas e motivações sempre pesquisadas e analisadas, suas brutalidades reconstituídas, suas vítimas homenageadas. Nunca esquecer para que não volte a acontecer.” Toda perseguição e toda matança de um povo devem ser repudiadas, sejam por quais motivos forem. Estes atos devem nos causar indignação e não nos deixar calados nem cegos diante de tamanhas atrocidades.
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Floriano Pesaro, sociólogo, ex-secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo e vereador da cidade de São Paulo.
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