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sábado, 25 de dezembro de 2010

Uma Sobrevivente

Ex-prisioneira de Auschwitz conta como sobreviveu à barbárie nazista e afirma: os alemães sabiam o que acontecia nos campos de concentração, mas não tiveram a coragem de dizer basta
por Bruno Fiuza
Arquivo pessoal / Divulgação
Eva: no auge dos seus 81 anos, ela conserva a esperança e a vontade de viver que lhe deram força para superar os maiores horrores do século XX
Ela saiu com vida do mais terrível campo de extermínio da Segunda Guerra Mundial. Capturada no dia do s
eu aniversário de 15 anos pelos nazistas, Eva Schloss foi levada a Auschwitz junto com sua mãe, Fritzi, em maio de 1944. Lutando diariamente contra a morte, as duas resistiram até janeiro de 1945, quando os russos libertaram o campo. De volta a Amsterdã, onde haviam morado antes e durante a guerra, mãe e filha descobriram que o resto da família – o pai e o irmão de Eva – havia morrido em Auschwitz. Foi então que Fritzi se aproximou de um antigo vizinho chamado Otto Frank, que perdera a filha, Anne. Os dois acabaram se casando e Eva tornou-se, postumamente, meia-irmã de Anne Frank.

Ao contrário da “parente” famosa, no entanto, Eva demorou mais de 40 anos para escrever suas memórias. Foi só em 1988 que ela finalmente publicou o emocionante relato de sua vida durante a guerra. No fim de 2010, a autora esteve em São Paulo para o lançamento da edição brasileira do livro e recebeu a reportagem de ##História Viva##. Leia abaixo os principais trechos do depoimento de uma garota que, no auge de seus 81 anos, c
onserva intacta a esperança e a vontade de viver que lhe deram a força necessária para superar os maiores horrores do século XX.

História Viva – Por que a senhora demorou tanto tempo para escrever suas memórias?

Eva Schloss – Logo depois da guerra eu sentia muita raiva, não só dos alemães, mas do mundo inteiro, por ninguém ter ajudado, pelas pessoas não terem impedido aquela tragédia. Eu queria botar aquela raiva para fora, mas ninguém parecia interessado em saber o que realmente havia acontecido. Quando os americanos e russos libertaram os prisioneiros dos campos de concentração eles filmaram o que encontraram, e esses filmes foram exibidos nos cinemas ingleses e em outros países da Europa. As cenas eram horríveis, mostravam pilhas de esqueletos e cadáveres. Tudo isso causou repulsa na população, e, durante muito tempo, as pessoas preferiram não tocar no assunto.


HV – E o que a levou a finalmente escrever o livro? Quando surgiu a ideia?

Eva – Foi em 1986, quando Ken Livingstone, que mais tarde se tornaria prefeito de Londres, levou à Inglaterra uma exposição histórica que havia sido organizada originalmente na Casa de Anne Frank, em Amsterdã. É claro que minha mãe e eu fomos convidadas para o evento de abertura. Havia cerca de 200 ou 300 pessoas na plateia e uma mesa com seis ou sete palestrantes. Ken Livingstone me convidou para a mesa e, depois que todos falaram, ele disse: “Agora Eva quer contar uma coisa para vocês”. Na verdade, eu não queria dizer nada. Eu nunca tinha falado sobre isso. Mas todos pareciam ansiosos, e então eu comecei a falar. E eu falei, falei, falei e falei. Foi incrível! Ao fim do evento, muitos jovens vieram falar comigo, e eles queriam saber mais, queriam autógrafos e fizeram mais perguntas. Aquilo realmente foi uma mudança completa para mim, porque eu senti que, pela primeira vez, as pessoas estavam realmente interessadas. Eu fui convidada a viajar com a exposição e uma amiga me disse: “É important
e que você escreva sua história”.

HV – Escrever suas memórias lhe fez bem?

Eva – Sim. Até então, tudo estava preso na minha cabeça. Eu nunca havia falado sobre o assunto, mas estava lá. E, ao pôr no papel, eu consegui colocar um pouco disso tudo para fora.


HV – Como a senhora definiria um nazista?


Eva – Bem, esse é o problema: eles não pareciam maus, eram pessoas comuns. Foi por isso que na Holanda nós fomos traídos por uma enfermeira. Ela era nazista, mas você nunca suspeitaria disso. Muitos eram extremamente bem educados. Era o caso de [Joseph] Mengele, por exemplo, que realizava terríveis experimentos com seres humanos e decidia quem vivia e quem morria em Auschwitz: ele era muito bem educado, eu poderia quase dizer que era um cavalheiro. Estava sempre perfeitamente vestido, era um homem de meia idade, alto e bonito. Você nunca suspeitaria que ele fosse capaz de fazer algo mau. E é por isso que, na década de 1970, quando comecei a visitar a Alemanha, eu suspeitava de toda pessoa mais velha. Eu olhava para elas e pensava ‘O que você fez? Você estava em um campo de concentração?’, porque você não conseguia distinguir um nazista pela aparência.

HV – Todo mundo podia ser nazista?

Eva – Todo mundo. E muitos deles eram, porque, quando os russos chegaram e evacuaram os campos de concentração, muitos dos guardas comuns jogaram fora seus uniformes, vestiram uma roupa qualquer e voltaram para suas cidades e vilas de origem. Não aconteceu nada com a maioria deles.



Arquivo pessoal / Divulgação
Eva no dia de seu casamento, em Amsterdã, em 1953, ao lado do marido (ao centro), e de Fritzi e Otto Frank (à esq.)


HV – No livro, a senhora conta que as pessoas que viviam nos arredores dos campos de concentração viam os prisioneiros circulando na região. A senhora acha que elas não sabiam ou não queriam saber o que estava acontecendo lá dentro?

Eva – Elas sabiam. A maioria dos campos de concentração na Alemanha e na Polônia foi construída bem ao lado de alguma cidade, como foi o caso de Aushwitz ou Dachau, e as pessoas do entorno viam o que acontecia naqueles lugares, elas sabiam. Elas viam os trens, as pessoas chegando e saindo. Em Auschwitz, muitos prisioneiros vestidos com o uniforme listrado saíam do campo para trabalhar em fábricas próximas. Esses detentos já estavam muito emaciados. Muitos não podiam sequer andar, alguns morriam no caminho. E os moradores do entorno viam tudo isso.

HV – O que a senhora diria se tivesse de explicar, em poucas palavras, o que foram os campos de concentração?

Eva – Bem, é difícil explicar isso em poucas palavras, mas eu diria que é um modo de tirar a liberdade das pessoas, torturá-las, e, por fim, matá-las. Os nazistas queriam acabar conosco, eles não queriam que nenhum judeu sobrevivesse. Mas havia tantos, seis milhões, que nem com os eficientes métodos de envenenamento por gás que desenvolveram eles foram capazes de atingir essa meta com a rapidez desejada. Assim, milhões de pessoas foram mantidas em condições terríveis: passando fome, cheias de doenças, submetidas a regimes duríssimos de trabalho e tratados como animais até que chegasse a sua vez de morrer. Éramos como animais esperando pelo abate.


Arquivo pessoal / Divulgação
Eva e a mãe seguram um retrato de Anne Frank em 1986


HV – E quanto ao Exército Vermelho? Muito já se falou sobre a violência de seus soldados. Que memória a senhora guarda dos russos?

Eva – Para mim eles foram maravilhosos! Quando chegaram ao campo de concentração, em pleno inverno, eles pareciam deuses. E realmente nos trataram como vítimas de um sistema terrível. Eles nos respeitaram, nos alimentaram, nos vestiram, nos transportaram e foram extremamente bons. É claro, eu sei, e é verdade, que, quando eles entraram na Alemanha, fizeram coisas horríveis. Eles estupraram, saquearam, mataram pessoas. Mas, após a libertação, como não podíamos voltar para a Holanda, viajamos por quatro meses pela Rússia e vimos a inacreditável devastação que os alemães haviam causado no país. Não havia uma cidade, uma vila, uma fazendo que não tivesse sido completamente demolida e queimada. E muitos jovens entraram para o Exército Vermelho para se vingar dos alemães, porque não tinham mais família nem lugar para ir. Os russos perderam 40 milhões de pessoas na guerra e, mesmo assim, eles não se renderam. Eu realmente admiro os russos. Se não fosse por eles, a guerra poderia ter durado muito mais.

HV – Quando a senhora vê notícias sobre grupos neonazistas e manifestações de ódio racial atualmente na Europa, acredita que seria possível se repetir hoje o que aconteceu na Alemanha nazista?

Eva – Não, eu não acho que uma coisa assim possa voltar a acontecer, porque aquilo foi típico de um país e de uma época: os alemães estavam prontos para obedecer qualquer ordem que viesse de cima, prontos para fazer qualquer coisa que o líder lhes mandasse fazer. Se alguma coisa desse tipo voltasse a acontecer, eu acho que em algum momento as pessoas iriam parar para pensar e se recusariam a seguir as ordens.

HV – Foi isso que os alemães não fizeram na década de 1930?

Eva – Exatamente

História Viva




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