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segunda-feira, 8 de junho de 2009

Como se modificam as notícias

Reza a lenda que um dia alguém teve a idéia de publicar um jornal diário que só trazia boas notícias. Segundo a mesma lenda, o jornal faliu em pouco tempo. Motivo? Boa notícia não vende.

O conto em questão é do repertório de todo professor de comunicação. Nas aulas, segue-se quase sempre o alerta de que se notícia boa não vende, as más notícias também têm seu lado b. Pelo menos teoricamente, o sensacionalismo é o maior veneno do profissional de imprensa. No entanto, o tal do sensacionalismo parece conquistar cada dia mais terreno até na dita “mídia séria”.

O Jornalista Victor Grinbaum analisa um dos casos mais estarrecedores de sensacionalismo e manipulação de fatos sobre o conflito do Oriente Médio nos veículos de comunicação dos últimos tempos.

Todo esse nariz de cera é para falar de uma velha mania das redações quando se trata do noticiário acerca de Israel. Muito já se falou nesta página sobre a “fórmula mágica” que transforma vítimas em algozes e vice-versa. Exemplo: em Jerusalém um homem toma a direção de um carro e o atira contra pedestres. Um policial mata o motorista. Manchete: “Israelense mata motorista palestino”.

Como muito já se falou sobre isso, seria até inútil de minha parte insistir no caso. Mas vejam vocês como o hábito vira vício. A agência de notícias EFE divulgou no dia 2 de junho de 2009 uma notícia cuja manchete era “Israelense mata árabe a tiros na Cidade Velha de Jerusalém”. Para olhos cansados como os meus, imaginei que fosse mais uma daquelas reportagens sobre alguma ação terrorista frustrada por um soldado sendo vendida como uma execução pura e simples.

Mas uma vez sensacionalista...

A história completa vinha logo abaixo. E ali estava patente como a manchete se propunha a lograr o leitor distraído. Vamos ao texto na íntegra:

Um árabe foi morto e um israelense ficou ferido nesta segunda-feira, nos arredores da Cidade Velha de Jerusalém. Um israelense de 48 anos foi preso e confessou os crimes.

De acordo com a polícia, o homem fazia meditação em um templo da Cidade Velha quando um árabe se aproximou. O israelense disse ter pensado que seria atacado, sacou a arma e atirou. O árabe morreu no local.

O porta-voz da polícia em Jerusalém, Shmuel Ben Robi, afirmou que o suspeito ainda atirou em outro israelense, que foi internado com ferimentos graves. "Pouco depois, encontrou outros dois homens judeus que lhe pediram um cigarro e, segundo ele, também pensou que seria atacado e baleou um deles".

Os primeiros disparos aconteceram durante a madrugada na praça Tzahal, enquanto o segundo ataque ocorreu na rua de Hanevim, na região central. A polícia investiga o que levou o homem a reagir de forma desmedida à aproximação dos estranhos.

A polícia considera a mais provável a hipótese de que o autor do assassinato "sofra de problemas mentais". De acordo com o porta-voz policial, será pedida uma análise do estado de saúde mental do acusado.

Resumo da ópera: um desequilibrado feriu quatro pessoas. Todas elas israelenses. Três judeus e um muçulmano. O muçulmano, por azar, foi a única vítima fatal do ataque, que foi preso pela polícia local. Um caso infelizmente banal e comum em qualquer canto do mundo onde haja pessoas desequilibradas mentalmente. Mas a manchete prefere priorizar as identidades étnicas dos envolvidos e vender uma falsa idéia de que o caso em questão guarda conexão com o conflito árabe-israelense.

Parece-lhe banal? Pois vamos voltar ao exemplo:

Na década de 90, os Estados Unidos passaram meses acompanhando o julgamento do ex-astro esportivo O.J. Simpson, acusado de assassinar a própria esposa e um homem que seria seu amante. Imaginem se o crime fosse noticiado da seguinte forma: “Negro mata dois brancos nos EUA”?

Seria uma ousadia que nem nos piores tempos da discriminação racial nos EUA seria tolerada na imprensa. No entanto, um crime rotineiro em Jerusalém precisa ser noticiado sob uma ótica étnica, portanto racista.

A deturpação causada pelo título malicioso é tão reprovável quanto seria no caso de o atirador ser árabe e as vítimas judias. E a questão do conflito entre pessoas destas duas identidades nada tem a ver com um caso isolado de violência urbana.

Inconscientemente, o ato falho dos redatores das agências noticiosas deixa evidente o pendor racista de boa parte da imprensa. Ao mascarar uma notícia banal, essa parcela da mídia desvela um rosto que é cada vez mais difícil de ser ocultado.

De Olho na Mídia

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