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terça-feira, 28 de abril de 2009

Jerusalem

Durante as incontáveis conferências de paz entre israelenses e palestinos, o ponto mais difícil de entendimento entre os dois povos sempre foi a questão da soberania de Jerusalém, definida como capital eterna e indivisível pelos judeus, considerada a terceira cidade sagrada (depois de Meca e Medina, na Arábia Saudita) pelos muçulmanos e ainda reivindicada como centro religioso por um cem número de seitas cristãs, que vão da católica romana e ortodoxa grega aos protestantes de todos os matizes.
Em meio às tantas discussões políticas, muitas vezes tem se falado na divisão da cidade, o que a tornaria ao mesmo tempo capital israelense e palestina. Para a maioria dos israelenses, mesmo para os mais seculares, isso seria como dividir a própria esposa com outro homem. Há também os que propõem a sua internacionalização, o que para Israel (usando ainda a metáfora da esposa) seria o mesmo que entregá-la à prostituição.
Em ambos os casos, o governo e o povo israelense, como a maioria dos judeus em todo o mundo, são terminantemente contrários a qualquer ameaça que tente mudar o atual status de Jerusalém. O ensaísta israelense Amós Elon, autor de Jerusalém, a Cidade de Espelhos (Ed. Saraiva) um livro bastante interessante que faz uma verdadeira biografia da cidade, escreveu que “Jerusalém tornou-se a grande Capital da Memória para os judeus.” E a história demonstra que um povo sem memória está condenado a desaparecer...
Mas unanimidade nunca foi uma característica judaica. André Chouraqui, judeu israelense e uma das maiores autoridade em Bíblia, numa recente entrevista chocou os conservadores ao declarar que Jerusalém deveria ser a capital do mundo. Literal ou simbolicamente, o comentário mostra mais uma vez que esta cidade desperta contraditórias paixões em diferentes religiões e povos.
Referida em textos egípcios por volta de 1900 a.C., a cidade entrou definitivamente para a história universal com a conquista empreendida pelo rei David em 1000 a.C. De capital política do antigo Estado de Israel, tornou-se meio século depois o centro espiritual do povo israelita no reinado de Salomão (filho de David), com a construção do suntuoso Templo sagrado. Desse momento em diante, Deus tinha um endereço na Terra, ali em Jerusalém.
O conceito de cidade sagrada encontrou campo fértil no Estado teocrático de Israel. Jerusalém, invadida sucessivamente por egípcios, babilônicos, persas, gregos, romanos, bizantinos, árabes, turcos e ingleses, sobreviveu porém carinhosamente nos corações dos judeus durante os quase dois mil anos de diáspora. Que segredo guarda esta cidade para atrair povos tão distintos em todas as épocas? Para os cabalistas, Jerusalém é o centro do universo, a porta para uma outra dimensão.
O encantamento de Jerusalém deixou sua marca na obra de Shakespeare, Blake, Dali, Chagall, Borges e tantos outros. Místicos, poetas, músicos e pintores vêem nela fonte constante de inspiração. Assim acontece com Marek Halter, escritor nascido na Polônia em 1936, filho de um impressor e de uma poetisa iídiche, que aos cinco anos de idade fugiu com os pais de Varsóvia ocupada pelos nazistas indo para Moscou até encontrar refúgio no longínquo Uzbequistão, na Ásia Central. Halter emigrou para a França em 1950, onde tem se destacado como combativo militante dos direitos humanos e criativo romancista.
Um de seus livros, Os Mistérios de Jerusalém (Ediouro), reflete em Halter a aura mística que cerca a mais disputada cidade da história. O romance, em si mesmo, alimenta a lenda. Eis o enredo: em Nova York, Paris, Moscou e mesmo nas margens do Mar Morto um manuscrito com mais de dois mil anos faz correr muito sangue. Ele revela um dos 64 enigmas do Rolo dos Ta’amrés, que até hoje – ficticiamente, claro - protegem o tesouro do Templo de Jerusalém.
O manuscrito é cobiçado por eruditos, mafiosos e terroristas. Seus escritos revelariam porque Deus escolheu Jerusalém, uma aldeia grudada aos flancos áridos dos montes da Judéia, para ali fazer a sua morada. Para tentar desvendar este mistério que dura três mil anos, um escritor apaixonado pela história da cidade se deixa influenciar por um jovem repórter do New York Times nesta busca do passado através de algumas das mais fascinantes passagens das Sagradas Escrituras, para solucionarem os mistérios do presente.
Os Mistérios de Jerusalém é alguma coisa como a busca do Santo Graal e da arca perdida por Indiana Jones no melhor estilo James Bond. Mistura de romance policial com romance de aventura, Halter trabalha a ficção de modo a trazer o leitor para dentro da história, por mais absurda que ela pareça. Na verdade, é o próprio absurdo da narrativa que torna o texto envolvente e, para alguns psicanalistas das grandes metrópoles, terapêutico enquanto escapismo, fuga da realidade.

TRECHO

“Durante a noite inteira, palavras, gritos, imagens de Jerusalém haviam se atropelado ruidosamente nos caminhos sinuosos dos meus sonhos. A agressão a Rab Haïm me deixara profundamente perturbado. Se a morte já não me angustiava depois da minha operação, as brutalidades sofridas pelo velho alfarrabista, em contrapartida me afligiam a mais não poder. Talvez por sua maneira antiquada, mas penetrante, de manipular o tempo e a memória, os textos e a carne do passado, Rab Haïm se tornara muito próximo de mim. Como se, por uma conexão sutil e impalpável, pertencêssemos à mesma família.
Assim, já que não conseguia adormecer, eu cometera o erro de assistir televisão até tarde. No começo pretendia apenas dar uma olhada nos telejornais noturnos, para ver se falavam daquela agressão, mas o noticiário estava inteiramente ocupado pelo atentado da madrugada anterior, perto da Porta de Damasco.

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